Hoje são os bons velhos tempos de
amanhã.
Karl Valentin
O Chapitô recebe já esta semana a
peça O
Ciclista, uma produção do Teatro da Terra, com encenação de Maria João
Luís - que interpreta a personagem o Ciclista. A partir de textos de Karl
Valentin, autor maior da dramaturgia alemã, não percam este belíssimo
espectáculo, cheio de humor e sátira social, em cena de 16 a 25 de Novembro, às 22h, na Tenda do Chapitô.
O Teatro da
Terra escreve sobre o projecto:
Valentin, artista dos sete
ofícios: cria, fotografa, representa, filma, escreve, enquanto a sua Alemanha
atravessa duas guerras mundiais, sempre atento às dificuldades que um país em
guerra impõe e sem se conformar com a tendência que a propaganda nazi alinhava
com a superioridade da raça ariana, foi por isso censurado e esquecido. Só a
partir dos anos 70, com traduções francesas, é redescoberto e reconhecido como
um dos maiores autores cómicos de sempre.
Da vasta obra de Karl Valentin
seleccionámos para este espectáculo os seguintes textos:
O Projector Avariado; Não; A Carta
de Amor; A Loja dos Artigos Fotográficos; O Aquário; No Chapeleiro; Na Farmácia;
Uma Mulher que não sabe o que quer; O Ciclista; A Ida ao Teatro; A Liga das
Amigas dos Gatos.
A Encenação encadeia esta sucessão
de sketchs com uma linha harmonizadora de pessoas a circular em pasteleiras e
bicicletas da primeira metade do século XX, criando uma dinâmica fluente, onde
cada cena se poderia passar em uma qualquer rua de uma qualquer cidade ou
aldeia, de um qualquer país. A linha cronológica das cenas é também arbitrária
possibilitando uma identificação carinhosa e imediata do espectador com as
personagens.
O Teatro da Terra leva à cena o seu
humor corrosivo e irreverente, para que não caia novamente no esquecimento,
este talento gigante, muitas vezes apelidado como o Charles Chaplin dos
dadaístas de Munique.
A CARTA DE AMOR, Karl
Valentin
“Munique, 33 de Janeiro de 1925
Meu querido adorado,
É com a mão em lágrimas que pego
na caneta com a mão para te escrever.
Já não me escreves há tanto tempo.
Porquê? Se ainda há pouco tempo me dizias numa carta que me escrevias tu, se eu
não te escrevesse. O meu pai também me escreveu ontem. Diz que te escreveu. Em
contrapartida, nem uma palavrinha tu me escreveste, a dizer que ele te tinha
escrito. Se me tivesses escrito a dizer que o meu pai te tinha escrito, eu
assim tinha escrito ao meu pai que tu lhe querias escrever mas que infelizmente
não tinhas tido tempo para escrever, sem o que já lhe tinhas escrito.
Não escreveste carta nenhuma de
resposta às que eu te escrevi, o que faz com que sejam muito tristes todas
estas histórias de escrita.
Se não soubesses escrever, era
diferente, eu nunca te escrevia, mas tu sabes escrever e não me escreves sequer
quando eu te escrevo.
Termino esta carta escrevendo-te
que espero que finalmente me escrevas. Senão, é a última carta que te escrevo.
Se mais uma vez acontecer que não me escrevas, escreve-me ao menos a dizer que
não me queres escrever. Assim fico a saber porque é que tu nunca me escreveste.
Perdoa, estou com tão má escrita,
mas tenho sempre cãibras nas mãos quando te escrevo. Tu nunca as terás, já se
sabe, tu nunca escreves.
Mando-te saudades e dou-te um
beijinho.
A tua Isabel”
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