segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Continua em cena até 21 de Fevereiro Cão que morre não ladra pela Companhia do Chapitô

Postado no blog Risocordeluz por RisoletaC Pinto Pedro

A brincar, a brincar…se dizem as verdades.
Ou…separados, até que… a morte… os una. E é assim, num tom coerente com o trabalho anterior (muito trabalho corporal, grande economia de recursos, pouco texto, embora aqui muito mais presente), mas onde algo de novo igualmente assoma no teatro-circo que esta peça também é, como as anteriores: a cirúrgica análise das relações humanas. Já por lá andava, mas não desta forma. A inteligente criação colectiva mostra-se de uma sobriedade e ao mesmo tempo de uma agudeza na observação das relações psicológicas dentro da família, que faz doer. Até ao riso. Há quem ria do começo ao fim, o que parece um bocado exagerado, porque o espectáculo não apela à gargalhada, embora os sorrisos sejam inevitáveis: de ternura, de reconhecimento pelo aparente absurdo, de admiração pela capacidade para reduzir a aparente ingenuidade lírica das personagens à mais inesperada e burlesca crueldade. O espectador ri para não pensar, ri para não chorar, ri para não fugir. Ri e assim foge. De si. Da mais crua verdade.É um laboratório, este espectáculo. A morte é só o pretexto. A morte é sempre um pretexto. Para fugir àquilo que existe de mais desafiador, que é a vida. Esta peça mostra que o ser humano tem caminhado para a morte (aqui se mostra muito bem, pelo contexto familiar, como homicídio e suicídio são a mesma realidade) para evitar a dor da cura. E a dor da cura decorre de se olhar a realidade. Às vezes, a realidade pode passar pela morte. A morte passa sempre pela negação. De tudo. Até de si mesma, como muito bem mostra este espectáculo. No palco, as personagens reproduzem e ampliam esse tique humano; no público, as gargalhadas dos espectadores demonstram-no. E mais uma vez mostram aquela que tem sido considerada a função mais antiga do teatro, desde a tragédia grega: a catarse. Resta-nos a nós, que estamos ali como observadores do palco e do público, a esperança de que estas gargalhadas sejam catárticas, que esta tragédia cómica tenha deixado dentro de cada um, a cintilar, um imenso escuro que um dia salte para as mãos como bola de palhaço, e mostre, finalmente a cintilação da sombra, o medo da vida, a oculta urgência da morte.Depois do espectáculo fica uma pergunta: de que modo morreu o cão? Não será difícil adivinhar. A morte é quase sempre igual, provocada pelas mesmas causas, embora se disfarce nos mais diferentes cenários.Aqui, a família, sendo também muitas outras coisas, que nós sabemos que sim, muitas e maravilhosas coisas, mostra-se na sua vertente mais crua: fechada, paranóica, autofágica, destrutiva. Não vou contar a história, porque o espectáculo também vive disso, dessa contínua surpresa. Até ao fim. Aconselho-vos a que não percam. Abram os olhos e os ouvidos o máximo que puderem, deixem-se enternecer e espantar pelo imenso talento dos actores, pelo excelente trabalho de toda uma equipa que o espectáculo revela, deixem-se impressionar até ao riso pelas momices e expressividade dos intérpretes, às vezes actores, às vezes contorcionistas, às vezes palhaços, mas deixem-se impregnar pela imensa sabedoria que a desconcertante crueldade indicia, pela realidade que apenas o riso consegue denunciar com esta dureza: a realidade familiar como palco clandestino da morte da verdade, da coragem, da vida e do amor. O que não tem de ser uma fatalidade, mas existe. Ainda existe. Embora a família contenha em si a possibilidade do seu contrário, que também ocorre. Contudo, primeiro temos de saber da possibilidade deste cenário. Se não o sabemos dentro de nós, há que ir a correr ver o espectáculo do Chapitô, Cão que morre não ladra. Ainda que o saibamos. Para não nos esquecermos. E para nos deleitarmos com um espectáculo excelente. O que é também uma forma de dizer sim à vida. Neste caso, pela reflexão sobre a morte.
Postado por RisoletaC Pinto Pedro às 10:20




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